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O Paradoxo do Livre-arbítrio e a Omnisciência Divina

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O Paradoxo da Liberdade Humana e a Omnisciência Divina

É com este paradoxo que abro os meus Cursos de Cura Ascensional, de forma a incutir nos meus alunos, uma interrogação que os deixa em estado profundamente reflexivo quando se apercebem da dramática repercurssão que tem nas suas vidas, a filosofia que seguem. Agora, é a vez do amado leitor!

A questão sobre se o ser humano possui livre-arbítrio, quando confrontada com a ideia de um Deus omnisciente que conhece o passado, o presente e o futuro, constitui um dos dilemas centrais da filosofia da religião. À primeira vista, a contradição parece inevitável: se Deus já conhece cada ato que iremos praticar, não estaremos condenados a cumpri-lo? E se assim for, que liberdade resta?

I. O Conhecimento Divino e o Tempo Humano

O primeiro equívoco nasce da confusão entre conhecimento e causalidade. O facto de Deus conhecer um acontecimento não significa que Ele o provoque. Do mesmo modo que o observador de uma gravação desportiva sabe antecipadamente o resultado sem o determinar, assim também Deus contempla o desenrolar das nossas escolhas sem as forçar.

O segundo ponto diz respeito à natureza do tempo. Para o ser humano, o tempo é sucessão: passado, presente e futuro sucedem-se em linha. Para Deus, sendo eterno, não existe tal sucessão: tudo se apresenta como um único presente absoluto. Aquilo que para nós é futuro, para Deus é já visível, não porque Ele o imponha, mas porque está fora da dimensão temporal.

II. A Liberdade Inscrita na Eternidade

Daqui se segue que a liberdade humana não é anulada pela presciência divina. A nossa decisão é livre no instante em que a tomamos, mas, ao mesmo tempo, está eternamente presente diante de Deus. O facto de Ele conhecer a nossa escolha não significa que a escolha não seja nossa. É apenas a coexistência de duas perspetivas distintas: a temporal, que é a nossa, e a eterna, que é a d’Ele.

III. Três Linhas Filosóficas

A tradição filosófico-teológica oferece diferentes leituras deste dilema:

  1. Agostinho de Hipona defende que Deus vê os nossos atos futuros como fruto da nossa liberdade, ainda que já os conheça de antemão.
  2. Tomás de Aquino sustenta que Deus, estando fora do tempo, contempla todas as coisas simultaneamente; assim, não prevê, mas conhece eternamente.
  3. Correntes modernas, como o Open Theism, sugerem que o futuro não é totalmente fixo; Deus conhece todas as possibilidades e caminha connosco, partilhando a abertura da criação.

IV. Conclusão: O Mistério da Coexistência

O paradoxo entre omnisciência e livre-arbítrio talvez não seja algo a resolver, mas a contemplar. O livre-arbítrio existe porque cada escolha é verdadeiramente nossa, ainda que já esteja eternamente presente na consciência divina. Em vez de ver contradição, podemos ver mistério: o ser humano é simultaneamente livre e conhecido.

Assim, a omnisciência divina não diminui a dignidade da liberdade humana, mas antes a engrandece. Pois cada ato de escolha é suficientemente significativo para estar inscrito no olhar eterno de Deus.

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